No Direito Brasileiro, a indenização só existe se houver responsabilidade do ofensor (causador do dano). Desde que o ofensor, comprovadamente, tenha praticado um ato ilegal ou abusivo, se obriga, conforme a legislação, a indenizar a vítima.
Entretanto, o valor da indenização repercute em muitos debates jurídicos nos tribunais em todo o Brasil. Discute-se a finalidade da indenização, como a de aliviar o sofrimento da vítima, no caso do dano moral ou restabelecer o patrimônio, tal qual se encontrava, antes do dano material.
Nos casos de mortes decorrentes de altos ilegais ou abusivos como em um homicídio ou em um acidente de trânsito, as indenizações às pessoas ligadas ao falecido, dentre todas as espécies existentes, estão atreladas ao dano moral.
Nas palavras do jurista Yussef Said Cahali se define o dano moral como:
Tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, lhe ferindo gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado (…); não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; (…) na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.”[1]
Ocorre que, como define o jurista, a “tristeza pela ausência de um ente querido” é imensurável, assim como a angústia, o sofrimento, a dor sentimental, o desgaste psicológico e todos os outros sentimentos decorrentes do dano moral.
Desta forma, por serem imensuráveis os sentimentos das vítimas desta espécie de dano, existem alguns parâmetros que auxiliam na definição do valor de indenização.
Alguns doutrinadores como Caio Mário da Silva Pereira, entendem que a indenização pelo dano moral deve observar dois aspectos:
- De um lado, a ideia de punição ao infrator, que não pode ofender em vão a esfera jurídica alheia […];
- De um outro lado proporcionar a vítima uma compensação pelo dano suportado, lhe pondo o ofensor nas mãos uma soma que não é pretium doloris, porém uma ensancha de reparação da afronta.[2]
Ainda o doutrinador Caio Mário da Silva Pereira ensina que na indenização “(…) a reparação do dano deveria consistir na reconstituição específica do bem jurídico lesado, ou seja, na recomposição in integrum, para que a vítima venha a encontrar-se numa situação tal como se o fato danoso não tivesse acontecido.”[3]
Nos casos de morte, “se a responsabilidade civil busca reparar, isto é, corrigir, restabelecer […], é preciso lembrar que tal indenização é de todo impossível, uma vez que esse é o fato por natureza irreversível […].[4]
Independente dos parâmetros utilizados para se aquilatar a indenização, se o caráter punitivo, se a tentativa de aliviar a dor ou sofrimento do ente querido do falecido, estão garantidas, pela lei, a liberdade e análise caso-a-caso pelos juízes brasileiros que deverão, sempre, ponderar com cautela as circunstâncias da ocorrência, os fatos, como a morte ocorreu, se mediante violência, bem como ainda, o poder econômico do ofensor (obrigado à indenização) e, se possível, as consequências psicológicas causadas.
Referida análise visa evitar um enriquecimento sem causa às vítimas, mas por outro lado, ao mesmo tempo, busca uma indenização suficiente, que não seja irrisória, atendendo o fim a que é destinada.
A Lei Federal nº 6.194/1974 que dispõe sobre o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais – DPVAT – em casos de acidente de trânsito, preceitua, em seu art. 3º, I, o valor de R$13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) como indenização aos beneficiários e herdeiros da pessoa que faleceu.
Muito embora já exista um valor pré-fixado em lei, referido valor não se enquadra como critério a título de indenização judicial, que muitas vezes alcança quantias superiores a 50 (cinquenta) salários mínimos.
A título de exemplo temos algumas jurisprudências do Tribunal de Justiça de São Paulo:
Acidente de trânsito. Ação indenizatória. Atropelamento de pedestre por ônibus. Morte da vítima no local (mãe e esposa dos autores). Sentença de procedência, com arbitramento de danos morais em 600 salários-mínimos. Recurso da empresa de transporte. Preliminar de cerceamento de defesa afastada. Instrução probatória que se revelou desnecessária e incapaz de alterar o desfecho do caso. Gravação em vídeo que mostra o exato momento do acidente. Vítima que atravessava normalmente a rua pela faixa de pedestres, durante o dia, sendo atingida quando estava prestes a completar a travessia pelo coletivo da ré, que invadiu a faixa de segurança. Nexo de causalidade estabelecido. Danos morais configurados. Indenização reduzida a R$ 100.000,00 para cada um dos autores, consideradas as peculiaridades do caso e a condição sócio econômica das partes, em observância, ainda, aos critérios de proporcionalidade, razoabilidade e moderação. Correção monetária desde o arbitramento e juros de mora com incidência a partir do evento danoso, nos termos das Súmulas 362 e 54 do STJ Recurso parcialmente provido.[5]
Conclui-se, no caso concreto, que além de reduzir a indenização de cada um dos autores a R$100.000,00 (cem mil reais), o TJSP considerou a “condição sócio econômica das partes” e critérios como proporcionalidade e razoabilidade para aquilatar o valor da indenização.
Em outro caso semelhante, observa-se que o condutor do transporte coletivo, agiu, também, com imprudência, fator determinante no julgamento, senão vejamos:
Apelação. Responsabilidade civil. Acidente de trânsito. Ação de indenização. Colisão em via pública envolvendo veículo de transporte coletivo e motocicleta. Parcial procedência da lide principal e procedência da lide secundária. Inconformismo da ré e da seguradora litisdenunciada. Justiça gratuita pleiteada pela seguradora litisdenunciada, em liquidação extrajudicial. Apelante que se encontra em vias de alcançar o estado falimentar, conforme relatório de informações gerenciais de março/2020. Estado precário da Companhia que autoriza a excepcional concessão da justiça gratuita. Mérito. Acidente de trânsito que causou a morte do filho da autora Barbara Candida de Lima Gonçalves. Autoria estabelecida no juízo penal. Condenação do motorista do ônibus. Art. 935 do Código Civil. Incontrovérsia quanto à existência do fato e à autoria. Culpa do preposto da requerida inconteste. Provas produzidas no juízo criminal que não foram infirmadas no juízo civil. Responsabilidade que, no caso, é de natureza objetiva. Art. 932, inc. III, c.c. 933, ambos do Código Civil. Cumpria à ré comprovar excludente de responsabilidade. Culpa exclusiva da vítima não demonstrada. Ônibus que efetuou manobra de cruzamento entre vias sem que seu condutor atentasse para a preferência de passagem do motociclista, que se conduzia em via preferencial. Art. 29 do CTB. Inexistência de prova acerca da velocidade que era imprimida à motocicleta. Elemento, porém, que não eximiria a culpa do condutor do ônibus, preposto da ré. Excludente de responsabilidade não comprovada. Danos morais. Sentença que os fixou em R$ 144.800,00. Dano in re ipsa. Mãe que perdeu seu filho em razão de conduta ilícita de preposto da requerida. Gravidade da dor que é inestimável. Valor fixado pela sentença que não destoa daquele frequentemente arbitrado por este Tribunal e dos parâmetros adotados pelo STJ. Precedentes. Seguro DPVAT. Possibilidade de dedução do montante da indenização, independentemente de prova de pagamento ao beneficiário. Súmula 246 do C.STJ. Precedente da Corte Superior. Lide secundária. Pleito de afastamento da incidência de juros moratórios e de correção monetária em relação à seguradora em liquidação extrajudicial. Descabimento. Art. 18, ‘d’ e ‘f’, da Lei nº 6.024/1974. Juros que incidem sobre a condenação, com exigibilidade suspensa durante a liquidação extrajudicial. Pagamento que será feito após a quitação do passivo. Correção monetária que incide por se tratar de fator de preservação do valor da moeda. Precedentes do C.STJ. Juros de mora. Sentença que os fixou desde a citação. Pretensão da seguradora litisdenunciada de fixação desde o arbitramento. Impossibilidade. Ausência de amparo legal. RECURSOS DA RÉ E DA SEGURADORA LITISDENUNCIADA PARCIALMENTE PROVIDOS.[6]
Neste segundo julgamento tido como exemplo, percebe-se que a indenização alcançou a quantia de R$ 144.800,00 (centro e quarenta e quatro mil e oitocentos reais), que não foi reduzida pela corte paulista, pelo contrário, foi considerada adequada aos parâmetros do próprio tribunal e do Superior Tribunal de Justiça.
Ainda foi decidido que da referida quantia é possível o desconto da indenização já realizada à vítima a título de DPVAT (R$13.500,00 – treze mil e quinhentos reais), conforme a Súmula nº 246 do STJ.
O tribunal ainda referiu que a gravidade da dor é inestimável, fazendo alusão aquilo que já foi comentado neste trabalho, que o sentimento decorrente do dano moral não pode ser calculado, dificultando a valoração da indenização.
Apesar do tema ser controverso, alguns avanços já existem nos julgamentos. Percebe-se, pelos julgamentos apresentados, que a finalidade da indenização em casos de mortes decorrentes de atos abusivos e ilegais se revela na difícil tarefa de amenizar a dor, o sofrimento das pessoas ligadas à vítima do ato ilícito.
Também ficou demonstrado que o julgamento se dá caso-a-caso, garantida a liberdade e análise de cada magistrado que deve considerar, dentre outros fatores, os fatos, as circunstâncias causadoras da morte, a condição econômica de cada parte, bem como do ofensor.
REFERÊNCIAS:
CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. ver., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 22/23
MIGLIORE, Alfredo Domingues Barbosa. O dano da morte como dano reflexo – E sua reparação civil. Ensaios sobre responsabilidade civil na pós modernidade. São Paulo: Magister, 2009. v. 2;
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: volume 3, contratos. 15 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003
[1] CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. ver., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 22/23
[2] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: volume 3, contratos. 15 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003, 242;
[3] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. V.03. 11. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p.566;
[4] MIGLIORE, Alfredo Domingues Barbosa. O dano da morte como dano reflexo – E sua reparação civil. Ensaios sobre responsabilidade civil na pós modernidade. São Paulo: Magister, 2009. v. 2;
[5] Apelação Cível nº 1000323-60.2020.8.26.0495, 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator MÁRIO DACCACHE, Data de Julgamento: 28/10/2021;
[6] Apelação Cível nº 1003496-13.2016.8.26.0114, 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, RODOLFO PELLIZARI RELATOR, Data do Julgamento: 03/11/2021;




